Por Gino Martins Borges Bastos
Na rotina cinzenta de repartições públicas, onde papéis se empilham como os dias e as filas se arrastam como as horas, existe — para quem quiser ver — um lugar sagrado. É ali, entre um protocolo e outro, que a alma humana se revela com sua nudez mais tocante: a de quem precisa ser ouvido.
Na porta daquela repartição, um aviso simples, mas solene, avisa:
"Que não sejamos quem sepulta o desejo de uma palavra de esperança."
Não é uma placa decorativa. É um pacto silencioso.
Foi com esse pacto aceso no peito que um dia recebi uma senhora de semblante sofrido e fala quebrada pelo peso da angústia. Veio com um pedido que, aos ouvidos da razão, soava absurdo:
“Minha vizinha fez bruxaria na minha caixa d’água. Envenenou a água e não posso beber mais. Quero que o senhor mande prender ela.”
A princípio, hesitei. O gesto da mente foi buscar saídas lógicas: igreja, pastor, delegacia. Mas ela já havia tentado. Ali, diante de mim, estava uma mulher que não pedia justiça — pedia alívio. Não pedia papel timbrado — pedia fé. E eu, naquele momento, não era funcionário. Era humano.
Senti-me como um enxadrista diante de um tabuleiro inesperado. Cada peça emocional em seu lugar e nenhuma jogada certa à vista. Mas o relógio corria, e o princípio da esperança pulsava mais forte do que a razão.
Foi então que compreendi: há dores que não pedem solução; pedem acolhimento.
Chamei os funcionários. Não por formalidade, mas para que as palavras tivessem testemunhas. E ali, naquela sala de repartição transformada em capela, estendi minha mão sobre sua cabeça e fiz uma oração.
Uma prece que não vinha de dogmas, mas da compaixão. Uma prece que dissolvia fronteiras entre o espiritual e o humano.
Ao final, com suavidade de rito antigo, disse-lhe:
“Pode voltar para casa. A bruxaria foi desfeita.”
Ela se ergueu devagar, como quem deixa para trás uma carga ancestral. Saiu sem pressa. Levava, mais do que palavras, um gesto. Levava a pomba invisível da esperança, que naquele dia, não foi sepultada. Foi entregue.
Nunca mais voltou. E eu nunca soube do fim de sua história. Mas, talvez, o fim nem importe. Talvez o essencial tenha sido aquele momento em que a burocracia deu lugar à ternura, e a repartição se tornou altar.
Porque às vezes, a verdadeira política pública é escutar com o coração.
E a verdadeira cura é fazer alguém acreditar que a água, sim, pode voltar a ser limpa.
Parabéns, Dr. Gino, pelo seu louvável gesto, sua demonstração pública de fé, sua sabedoria e seu acolhimento que, tenho certeza, supriu a maior necessidade dela naquele momento: receber uma palavra de afeto, de força e de solidariedade.
ResponderExcluirParabéns, meu amigo!
ResponderExcluirBelo gesto de acolhimento e compaixão.