segunda-feira, 28 de julho de 2025

O sino e o livro


                                  Por Gino Martins Borges Bastos 


Frequento antiquários como quem vai à padaria, ao restaurante, à farmácia. Neles, não busco apenas objetos, mas histórias adormecidas. Ao caminhar entre lamparinas, tachos do mundo rural, móveis antigos e peças de uma época áurea, me deslumbro com o tempo cristalizado em madeira, ferro e papel.

Nos antiquários, contempla-se mais do que o passado — contempla-se a beleza do que perdura. Cada peça guarda em si uma história não contada, um sussurro de vidas que já foram.

Os comerciantes de antiguidades são mestres sem cátedra. Por meio deles, tomamos conhecimento de narrativas extraordinárias, quase sempre esquecidas pelo tempo.

Embora aprecie muitos objetos, levo para casa apenas móveis e peças portuguesas. Faço isso por fidelidade às minhas origens lusitanas. Meu antepassado, Francisco Lourenço Borges, nascido no século XVIII, veio da ilha Terceira, no Arquipélago dos Açores. Em minha casa, o passado habita cada sala, cada quarto, a biblioteca, os móveis, as fotos e o piano.

Meus pais, Luciano Augusto Bastos e Leny Borges Bastos, estão sempre presentes dentro de mim, mesmo após sua partida.

Lembro com clareza de uma visita, anos atrás, a um antiquário. Fui atendido por seu proprietário, um homem idoso, culto e gentil. Encantei-me por um livro do século XIX, que oferecia móveis a clientes de outrora. Quis comprá-lo, mas ele recusou. Disse que aquele exemplar guardava valor afetivo.

Adquiri outras peças e, ao me despedir, ele apontou para um sino.

— Você precisa bater neste sino! — disse.

Perguntei o motivo. Ele sorriu:

— Todos os que compram aqui precisam bater o sino.

Tempos depois, voltei ao mesmo antiquário. Fui atendido por um homem de meia-idade. Perguntei pelo antigo proprietário e soube que, por conta da idade, ele já não comandava mais o lugar. Notei que o sino havia desaparecido.

— Foi vendido — explicou o atendente.

Aproveitei para perguntar sobre o livro do século XIX. Ele o encontrou com facilidade.

— Está à venda! — disse.

Fiquei surpreso. E emocionado.

Surgiu então a dúvida: comprá-lo ou respeitar a vontade antiga do proprietário? Por um instante, hesitei. Mas imaginei que aquele exemplar teria o mesmo destino do sino — perdido, talvez, para sempre.

Trouxe o livro comigo. Com ele, levo também a memória de um antiquário, de seu dono e de um tempo que, embora distante, ainda pulsa em mim.


Um comentário:

  1. Que texto maravilhoso!❤️👏👏
    Um livro com história, um sino com tradição, e uma decisão que mistura respeito e destino.👏👏

    ResponderExcluir